Os aspectos
pitorescos do tão decantado bairro, impressionaram os estudiosos que por aqui
passaram no século XIX e princípio do seguinte. Em seus relatos, deixaram
consignados valiosos informes.
O viajante POHL (1976) que por
aqui passou em 1818, escreveu: (...) “no agradável Arraial de Matosinhos (...) os habitantes abastados de
São João del-Rei tem muitas e belas casas de campo com jardins”.
No
ano seguinte, SAINT-HILAIRE (1944) observou:
"A cerca de meia légua [uns três quilômetros] de Marçal [Colônia
do Marçal]
chega-se ao arraial chamado Porto Real, onde se encontra o Rio das Mortes, que
empresta seu nome à comarca (...) Em Porto Real atravessa-se esse rio por uma ponte de madeira, de
aspecto assaz pitoresco, com largura bastante apenas para um carro-de-bois, e
que é abrigada como as da Suíça, por um pequeno telhado de telhas ocas
sustentado por postes. (...) Tendo atravessado Porto Real, cheguei logo à aldeia de Bom Jesus de
Matosinhos, onde se celebram de modo especial as festas de Pentecostes."
A
referência desse autor tem especial importância, por revelar que nessa época,
havia junto ao rio um povoamento, que não se confundia com o outro, junto à
igreja. Ou seja, conforme foi dito que houve em 1714 um bando para esvaziar o
Porto, obrigando todos a se mudarem para a vila de São João del-Rei, tal ordem
não pode extinguir o povoado do Porto. Enfim, era um ponto estratégico e o rio
seria uma via natural importante para escoamento de produtos extrativistas ou
não.
Outra
menção de importância é aquela ao telhado da ponte, que reaparece bem mais
tarde[1]:
“em distancia de menos de hum quarto de
legua a leste está o arraial de Matosinhos (sic) e ahi huma ponte mui segura, coberta de telha”.
A
primeira imagem fixada de Matosinhos deve-se a RUGENDAS (1979). Em 1824 ele
retratou o bairro numa aquarela e previu:
"Nas imediações de São João, existe uma aldeia muito
agradável; arraial de Matozinho, à beira da estrada que se toma para ir a São
José [del-Rei, atual Tiradentes] e Barbacena. Sua bela situação e a vizinhança do
Rio das Mortes, já navegável por grandes canoas, permitem prever um futuro mais
próspero que o das cidades vizinhas, principalmente São João, que não poderão
crescer, dada a sua má situação."
Aquarela de Rugendas representando Matosinhos vista do Alto do Lombão em 1824. Nota-se claramente como eram caudalosas as vias fluviais, a extraordinária fidelidade do artista à silhueta serrana, os caminhos de então, com destaque para aquele que se tornaria no século seguinte a Avenida Sete de Setembro, a igreja antiga num esquadro diferente do largo. Carro de bois, cavaleiros, um escravo e um ermitão com oratório de pescoço compõe os veículos e transeuntes da época.
RODRIGUES
(1859) informou que a capela de Matosinhos não era curada e escreveu ainda:
"O arraial de Mattosinhos no suburbio da cidade é
dotado de optima capella, na qual se festeja o Espirito Santo, havendo nos dias
de festa romaria de dia e de noite. Está em uma planicie, com rica e espaçosa
praça e as adjacencias são bordadas de optimas chacaras nas quaes fructificão
todas as arvores indigenas e inter-tropicaes de Europa."
Outra impressão importante
deixou para a posteridade BURTON (1942), escrevendo no ano de 1867:
"Aos nossos pés, sobre um pequeno vale jaz o arraial de Matozinhos,
encantador subúrbio, distante da cidade uma milha e três quartos [2] - ou mais exatamente oitocentas braças brasileiras. Passamos pela
clara rua principal e entramos na praça mais importante formada pelas melhores
casas, cada qual com o seu jardim florido, adornado de alguns pés de café de um
tamanho prodigioso e de exuberante verdura. Não há padre, mas a Igreja do
Espírito Santo (sic) parecia, pelo menos por
fora, em boa ordem. Aqui de toda a região convergem os romeiros durante sua
festa pelo prazer espiritual de rezar durante noite e dia."
Bernardo Guimarães, em sua obra “Maurício ou
os paulistas em S. João d’El-Rey”, escreveu de forma poética, que transcrevi do
Arauto de Minas [3]:
"Deitada ao longo da fralda da serra amparam-lhe brandamente a cabeça
pelo lado sul verdes e boleadas collinas [Lombão, Bom Pastor, Pio XII] enquanto os pés estiram-se
espreguiçando pela planura [centro do bairro, Vila N.S. de Fátima], formando o pitoresco
arrebalde de Mattosinhos, cujas casas alvejam atufadas em ondas dos mais
frondosos e viçosos pomares."
Este poeta comentou ainda [4]:
"Neste arraial, out’rora palco de grandes lutas e morticinios entre
paulistas e emboabas que a sêde do ouro attrahia a estas paragens [5], onde há vastas e bellas chacaras, perpetuo pomar de variados frutos,
delicioso recreio das familias da cidade, campeia qual linda garça entre a
verdura, a risonha capella do Senhor Bom Jesus de Mattosinhos, para onde
affluem romeiros e grande multidão de fiéis por occasião dos festejos do
Espirito Santo, celebram-se com toda a magnificencia, renovando-se algumas
vezes os costumes antigos de cavalhadas, bandos de máscaras, bailados e corrida
de touros."
LAET
(1988) escreveu no ano de 1896: “o
isolamento de Mattosinhos se compensa nas festas do Espirito Santo, quando para
lá se dirigem alegres romarias”.
Nas
observações de estudiosos ficaram registradas diversas características
importantes para o estudo em questão. SENNA comentou sobre este lugar em duas
ocasiões – 1905 e 1909 – respectivamente:
"Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, mediana,
situada mais perto do Rio das Mortes em um logar ameno no meio de um
quadrilatero formado pelas casas de campo. O frontispicio com duas torres é
bonito, e o interior é de um aceio que reluz."
* * *
"O Bairro de Matosinhos, constituído num planalto
entre a confluência do Ribeirão da Água Limpa, com o Rio das Mortes, em forma
de um triângulo, cuja base se assenta sobre a frauda do outeiro do Lombão. Sua
área deve ser aproximadamente de 2 milhões de metros quadrados. Matosinhos
oferece proporções maravilhosas para aumentar no triplo, com vantagens
inquestionáveis, o atual núcleo urbano de São João del-Rei."
CAPRI (1916) observou [6]:
“Mattosinhos constitue o bairro mais
aprazivel da cidade, banhado de um lado pelo riacho Água Limpa e do outro pelo
caudaloso Rio das Mortes.”
Rio das Mortes, visto entre o Pombal e a Colônia José Teodoro. |
Notas e Créditos
* Foto: Iago C.S. Passarelli, 2013.
** Texto: Ulisses Passarelli
*** Para maiores informações sobre os autores citados, vide a postagem:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1]
- Revista do Arquivo Público Mineiro.
Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1909. Ano 13. p. 590.
[2]
- Pouco mais de 2,5 kilômetros. Há duas
medidas da milha inglesa: 1.609,34 m e 1.524 m.
[3]
- Arauto de Minas, n.6, 14/04/1877.
[4]
- Arauto de Minas, n.7,
24/04/1881.
[5]
- É uma referência à Guerra dos Emboabas, desenrolada nas minas entre 1707-9.
Acreditou-se por muito tempo que o famoso “Capão da Traição” - onde se
desenrolou o mais famoso episódio desta contenda - situava-se em Matosinhos.
Sabe-se hoje que ficava na verdade na outra margem do rio a légua e meia de
distância rumo norte, próximo ao povoado do Pombal. Outras correntes porém o
localizam próximo ao povoado de Goiabeiras, no distrito são-joanense do Rio das
Mortes, com episódios aguerridos em São Sebastião da Vitória (donde provém o
nome Vitória) e no morro chamado Alto das Bandeirinhas, onde bandeiras teriam
sido fincadas num dos episódios.
[6]
- Friso o termo caudaloso como imagem de antanho. RUGENDAS (1979) afirmou que
era navegável por grandes canoas. Na ilustração do bairro que pintou,
vislumbra-se quão volumoso era o referido curso d’água. Consta na Chorographia Mineira, que era navegável
por vinte léguas (120 km). Barcaças ou jangadas desciam o Rio das Mortes
carregadas de lenha e a desembarcavam no Porto, próximo à ponte que liga S.
João a Santa Cruz de Minas e daí seguiam os paus à cidade, em carros-de-boi,
carroças e no lombo de animais cargueiros, via Matosinhos, para abastecer
nossas cozinhas, no tempo que não havia fogão a gás. Havia comércio de produtos
no Porto Real da Passagem, sendo que uma casa antiga, já bem modificada situada
do lado de Santa Cruz, servia de entreposto ou armazém, inclusive depósito de
sal. GUIMARÃES (1988) escreveu: “Houve,
parece-nos que logo no início das atividades da Estrada de Ferro Oeste de
Minas, navegação sistemática no Rio das Mortes, explorada pela mesma companhia,
de um ponto que não conseguimos localizar, possivelmente a partir de Severiano
de Resende até o Porto Real. Eram pequenos barcos a vapor rebocando chatas.”
(Depois de citar as jangadas carregadas de lenha informa ainda:) “Há vestígios de tentativas de eliminação da Cachoeira do Pombal,
possivelmente para a utilização do rio para a navegação.” Hoje poluidíssimo
e muito assoreado, não passam por ele senão pequenas canoas. A sina triste do
próprio nome se abateu sobre o rio.
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