O século
XX trouxe profundas mudanças a Matosinhos, trazendo-lhe de um lado o progresso
e de outro tomando seu primitivo ar pitoresco, tão decantado. Problemas com
iluminação, saneamento, pavimentação e abastecimento de água perpassaram as
décadas aquém da necessidade real.
Logo à sua
chegada o novo século traz a eletricidade ao bairro [1]:
“Hoje inaugura-se em Mathosinhos, a luz electrica, nos constando que haverá na occasião da installação de mais este melhoramento no populoso, alegre e pittoresco arrabalde desta cidade, fogos, musica e outras manifestações de regosijo”.
“Hoje inaugura-se em Mathosinhos, a luz electrica, nos constando que haverá na occasião da installação de mais este melhoramento no populoso, alegre e pittoresco arrabalde desta cidade, fogos, musica e outras manifestações de regosijo”.
Não
obstante o avanço a qualidade do serviço de iluminação era ruim. Sua
precariedade gerava protestos nas letras jornalísticas são-joanenses. Veja-se o
exemplo desta pitoresca e bem humorada reclamação [2]:
“RECLAMAÇÕES: a abaixo assignada, a bem da
decência da cidade, requer a substituição da luz electrica por outra qualquer.
D.VELA. Havendo a deposição da luz electrica, sou eleito com certeza.
Dr.KEROSENE. O povo indignado com a luz electrica, é capaz de fazer greve e
mandar cortal-a e eu fico na ponta, nos quartos das senhoritas, de que tenho
tantas saudades. Dr. AZEITE. Se a luz electrica não concertar a Camara é capaz
de illuminar a cidade como eu desejo. Dr. GAZ.”
Persistiu
por muitos anos o apelido pejorativo de Morro do Querosene à parte alta e entre
o Pio XII e o Bom Pastor de Cima, nas cabeceiras do Córrego das Galinhas,
lembrança anterior à eletricidade pública, quando as fumegantes lamparinas eram dominantes.
Mas a luz trouxe consigo um
novo aspecto para as festas do bairro. O largo iluminado era um atrativo à
parte [3]:
“A Praça Chagas Doria se conservará
grandiosamente ornamentada, ostentando abundante iluminação completamente
augmentada e modificada”.
Quanto ao
saneamento, sua falta assim se configurava [4]:
“Insistimos no
pedido que já uma vez fizemos á Camara para que o seu digno presidente mande
esgotar umas aguas estagnadas que existem no becco do Porto, além de
Mattosinhos e proximo á ponte”.
Essas águas parecem ser as do Córrego do Porto, minúsculo fluxo d’água, em parte aterrado e outro tanto manilhado, hoje seco, que descia rumo ao rio, numa vala, beirando a Rua Tomé Portes del-Rei. A nascente era na região do atual Conjunto INOCOOP.
Essas águas parecem ser as do Córrego do Porto, minúsculo fluxo d’água, em parte aterrado e outro tanto manilhado, hoje seco, que descia rumo ao rio, numa vala, beirando a Rua Tomé Portes del-Rei. A nascente era na região do atual Conjunto INOCOOP.
Um interessante panorama do bairro
no começo do século XX, nos dá esta página jornalística [5]:
"Este pittoresco arrabalde, cujo desenvolvimento é
crescente dia á dia, já tendo localisados dous estabelecimentos industriaes,
magnificas vivendas, com uma população bastante numerosa, com estabelecimentos
de ensino, agencia postal, cortado pela estrada de ferro, com trens especiaes
de communicação com a cidade, bem podia merecer mais a attenção dos poderes
publicos. (...) Os habitantes de Mattosinhos queixam-se da falta d’agua, clamam contra
o serviço de limpeza que é nullo, anceiam por se verem livres da mattaria que
cresce com um viço admiravel, reclamam contra a lama e as poças d’agua
apodrecida e gritam contra a cansuada que vagueia impunemente pelo largo,
tolhendo a liberdade das familias." (etc.)
Os jornais de época revelam os descuidos de infra-estrutura da cidade como um todo e Matosinhos se encaixava neste contexto:
Transcrição:
"O dr.F.Catão realmente precisa de tomar um destes trens, mas para se ir de vez, mas para voltar o mais breve possivel, e trazer em sua companhia gente que nos ajude a fazer reclamações contra a agua suja, a praia suja, o matadouro sujo, as ruas sujas, que temos nesta hospitaleira,e salubre cidade." (O Grypho, n.10, 24/11/1907)"
Transcrição:
Chuva Providencial
"Parece que alguém lá das alturas, attendendo ás reclamações do povo, delle condoeu-se e mandou, no segundo dia de festas em Mattosinhos, uma chuvinha miuda incumbida de applacar o pó que era bárbaro e inclemente.
Ninguem lá de cima tem obrigação de mitigar os sofrimentos dos que estão cá em baixo, competi somente á Camara mandar irrigar o largo de Mattosinhos em fazer-lhe uma capina em regra, porque só ela tira proveitos do povo com pesados impostos e taxas absurdas.
Os negocios de nossa Camara vão de mal a pior.
É o povo a queixar-se ao bispo. (A Nota, n.24, 30/05/1917)
Um
dos maiores problemas enfrentados pelo grande bairro no século XX foi o da água potável e no seu rastro o do
esgoto. Além disto, havia uma situação complicada nas áreas menos centrais,
como a Vila Santa Terezinha. As chácaras de outrora eram auto-suficientes, com
suas bicas, cisternas, poços e fossas. Mas com o seu fim e o grande número de
casas, o abastecimento público e o saneamento básico não cresceram
proporcionalmente. O jornal A Tribuna,
ainda no remoto 1931, admoestava ao poder público para que atentasse para a
água [6]:
É necessário, que a Prefeitura lance suas vistas
para o mais precioso líquido, absolutamente indispensável a nossa existencia,
que tanto o exige puro. Alguns habitantes daquelle importante bairro [Matosinhos] de nossa cidade, pedem-nos
levemos ao conhecimento do sr. Prefeito a notavel falta de água d’ali, que
elles vêm de há muito reclamando, sem ser ouvidos.
Clamores jornalísticos de 1934 sobre a necessidade
de rede de esgotos em Matosinhos.
de rede de esgotos em Matosinhos.
Algumas
obras visando ao abastecimento começaram na década de cinqüenta, mas a seguir
foram paralisadas. O Correio noticiou
o reinício das ditas obras em Matosinhos e Vila Santa Terezinha [7].
A
falta de urbanização dessa última era notória no fim dos anos sessenta [8].
Idealizava-se uma
sub-prefeitura para o bairro (até hoje esta idéia é comentada, mas sem
efetivação à vista), visando a uma administração regional. Eis o triste
panorama de então [9]:
Chega a ser incrível que os moradores ainda paguem
os seus impostos. A Vila Santa Terezinha, a Vila Santo Antônio, a Vila Alberto
Magalhães e outras, tanto no centro do bairro quanto nas extremidades, revelam
à primeira vista a falta de atenção do poder público municipal (...) não há água suficiente, não
há rêde de esgôtos, não há meios-fios, a iluminação é deficiente (...) Desde as medidas mais
elementares da higiene e da segurança, tudo em Matozinhos está por fazer.
Também
A Comunidade fala sobre a
necessidade de melhorias na rede de esgotos do bairro [10].
Os
apelos fortes da imprensa, tornando-se a voz popular, alavancaram as obras. O
Prefeito Mário Lombardi inicia os melhoramentos na questão da água, ocasião que
o Ponte da Cadeia comenta: “afirma-se que há mais de 20 anos os
moradores não tem água com regularidade”. O mesmo jornal, noutra ocasião, informa que construíram dois poços
artesianos (um deles o que está na Praça Pedro Paulo e outro na Avenida Santos
Dumont, com estação de bombeamento), asfaltou algumas ruas e instalou bueiros [11].
Estação de água da Santos Dumont. 11/08/2013.
O
Prefeito Otávio Neves fez obras importantes para melhorar o abastecimento [12].
Reativou o poço artesiano da Praça Pedro Paulo, abandonado a 7 anos e trouxe água
para o grande bairro, canalizando-a desde a Cachoeira do Urubu. A travessia da
adutora pela rodovia BR-265 foi um episódio à parte, onde rompendo a burocracia
que travava a obra, o dito prefeito instalou os encanamentos assim mesmo.
No Pio XII a água também era
problema e na caixa d’água de abastecimento desta parte de Matosinhos tinha até
ratazana, denunciava a imprensa [13].
O padre de Matosinhos naquele tempo, Delçon de Oliveira, comentou na imprensa o
grande número de problemas sociais e de infra-estrutura que por ali havia [14].
A seguir começam algumas obras prometendo jorrar água abundante sobre
Matosinhos, a partir de captação no Água Limpa, próximo ao local chamado
Capivara [15].
Em 1996 houve uma reforma da
estação de bombeamento da Avenida Santos Dumont, datada de 1972.
Três anos depois outras
obras visavam a ampliar a rede de esgotos no INOCCOP e construir um posto
policial no bairro [16].
Esgoto a céu aberto corre livremente para o Rio das Mortes atrás do Conjunto INOCOP , sob a linha da Maria Fumaça. 2009. |
Notas e Créditos
* Texto, fotografias e fotomontagens de recortes jornalísticos: Ulisses Passarelli.
** Jornais antigos de São João del-Rei: acervo da Biblioteca Pública Municipal Baptista Caetano de Almeida, acesso pelo site.
[1] - O
Combate, n. 209, 26/10/1902. A iluminação a querosene em São João del-Rei
foi inaugurada a 01/11/1866, segundo CINTRA (1982). Funcionava precariamente e
não podia ficar acesa a noite inteira por falta de verba da Câmara para manter
o combustível madrugada a dentro, de tal sorte que usavam o estratagema de
desligar os lampiões a uma hora ou apagar vários, deixando apenas alguns
acesos. O apoio de uma verba estadual foi motivo de alegria pois “folgamos em annunciar que a illuminação
publica é agora feita durante a noite inteira”, noticiou a Gazeta Mineira, n.1, 01/01/1884. Fábio
Nelson Guimarães no seu estudo sobre as ruas da cidade escreveu: “No decorrer do ano de 1874, 40 lampiões
guarneciam os recantos centrais de São João del-Rei, onde mais se fazia sentir
a necessidade de iluminação. Serviço arrematado em hasta pública,
substituiu-se, na desejada combustão, o azeite pelo querosene, (...) Já em 1882, a série de luminárias ascendeu
para 100, fora os 8 da cadeia, onde permaneciam ‘grande número de criminosos de
importância’.” A luz elétrica veio mais tarde, possibilitada pela
instalação da usina hidrelétrica no Rio Carandaí. A luz foi instalada em tempos
desiguais: no centro da cidade em 06/07/1900, segundo O Combate (n.1, 11/07/1900); em Matosinhos a 26/10/1902; na
Colônia só em 1937, motivo para grande festividade, sendo que o sr. Deodoro
Briguenti recepcionou as autoridades em sua residência e serviu-lhes lauto
almoço. Houve vários discursos empolgados, informa O Correio (n. 554, 22/05/1937). Inauguração de luz era sempre
motivo de grande festa para uma comunidade, tal como assisti no arraial de
Januário, neste município, na década de 1980. Vale conferir o jornal O S. João d’El-Rey (n. 101, de
19/02/1922) comentando sobre tal regozijo na vizinha Resende Costa, com a
presença de uma orquestra local, do maestro Joaquim Pinto Lara. Houve baile
animado e nele tocou uma orquestra de cordas. A banda de música também deu uma
nota de alegria. Em Tiradentes se negociava a instalação da rede elétrica para
fins de iluminação em 1923 (A Tribuna,
n. 467, 08/04/1923).
[2] -
The Smart, n.11, 24/01/1909.
[3] - A Tribuna, n. 471, 06/05/1923.
[4]
- O Repórter, n. 88, 13/01/1910.
[5]
- O Repórter, n. 89, 16/01/1910.
[6]
- A Tribuna, n. 1.066, 29/03/1931 e
n. 1.070, 03/05/1931
[7]
- O Correio, n. 2.999, 03/04/1960.
[8]
- Ponte da Cadeia, n. 103,
08/06/1969.
[9]
- Ponte da Cadeia, n. 197, de
09/05/1971.
[10]
- A Comunidade, n. 30, jan./ 1971.
[11]
- Ponte da Cadeia, n. 241,
10/05/1972 e n. 244, 28/05/1972.
[12]
- Tribuna Sanjoanense, n. 190,
09/09/1977 e n. 205, 14/02/1978.
[13]
- Jornal de S. João del Rey, n. 48,
6-12/09/1986.
[14]
- Jornal de S. João del Rey, n. 138,
09/09/1989.
[15]
- Nossa Terra, n. 2 e 3, nov./1989.
[16] - Tribuna Sanjoanense, n. 980, 18/05/1999
e n. 983, 15/06/1999.
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