terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Ex-votos em Matosinhos


           Não é objeto dessas breves linhas, estudar os ex-votos, mas tão somente comentar algo acerca de sua presença em Matosinhos.

Ex-voto é um objeto ofertado para atestar uma graça alcançada. O fiel que recebeu o “milagre” agradece deixando este objeto, como sinal comprobatório da intervenção divina. Há quem considere também como forma de ex-voto, as ações tomadas pelo devoto para agradecer a graça. Particularmente prefiro enquadrá-las como um pagamento convencional de promessa, sem considerá-las de caráter ex-votivo. O ex-voto verdadeiro é material.

São conhecidos em várias partes do mundo, inclusive Portugal, de onde plausivelmente recebemos o costume de sua confecção. No Brasil, da mesma forma, em diversas regiões podem ser vistos e têm sido relatados. Os centros de romaria são pródigos em ex-votos.

Talvez o mais antigo ex-voto que cita a invocação do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em São João del-Rei, seja o que está hoje no Museu Regional do IPHAN, desta cidade. É proveniente da Igreja do Carmo. É anterior à construção da capela de Matosinhos e prova que a devoção já andava por aqui. Seu texto diz:

" Mgre. q. fez o Sr. JESUS de Mathosinhos e a Sra. do Carmo a Anto. escravo de Joze da Costa de Gouvea que estando trabalhando na cata lhe cayio E~u banco de terra eficando em terrado atte os peitos quando o tirarão tinha Eua perna quebrada em varias ptes. e apegandoce com o do. Sr. e sua May Sma. ficou sem lezão alguâ. 177o."

            Em grafia atualizada: “Milagre que fez o Senhor Jesus de Matosinhos e a Senhora do Carmo a Antônio, escravo de José da Costa de Gouveia, que estando trabalhando na cata [de ouro] lhe caiu um banco de terra, ficando enterrado até os peitos. Quando o tiraram tinha uma perna quebrada em várias partes e apegando-se com o dito Senhor e sua Mãe Santíssima ficou sem lesão alguma. 1770”.

              A análise dos ex-votos compreende um estudo à parte, não planejado para este trabalho.

            Entre os ex-votos da Igreja de Matosinhos existe um que mostra um carro de bois carregado de lenha passando sobre duas crianças, nas imediações da igreja, na atual Avenida Sete de Setembro. Data de 1909. É um registro de uma importante atividade econômica daquele tempo [1].



            Um deles mostra um caso peculiar para a época: uma mulher negra, moribunda, no leito – uma cama com baldaquim, verdadeiro luxo, quase que exclusivo das mulheres brancas de boa posse.

            Dizem os rumores que o número de ex-votos antigos era bem maior e que na época da demolição da igreja primitiva vários deles desapareceram, entremeados aos escombros; outros teriam sido vendidos.

            Os quadros antigos atualmente expostos são réplicas fotocopiadas. Os originais por questão de segurança estão junto ao acervo do Museu de Arte Sacra da cidade.

            Importante ressaltar a inclusão recente de novos ex-votos à Sala dos Milagres, demonstrando que o costume de fazê-los não se perdeu, embora o estilo e a matéria-prima sejam outros.

            Sobre a predominância de tipos, pode-se constatar que em tempos mais remotos os quadros pintados eram as formas preferidas, o que aliás ocorre com outros acervos. Ou pelo menos, eles foram os que resistiram à ação do tempo.

            A facilidade atual dos meios fotográficos fez com que os ex-votos contendo retratos se tornassem frequentes.

            Os ex-votos de madeira esculpida representando partes humanas não foram encontrados, ao contrário do que se nota em vários santuários, capelas e cruzeiros de beira de estrada. As peças em cera os substituem por completo, sendo obviamente de acesso mais fácil e custo menor, alcançando o mesmo objetivo.

            Importante, por fim registrar, que o Padre José Raimundo da Costa, com grande sensibilidade cultural, reformou a sala que hoje serve para expor essas peças sacras e ela tem estado aberta à visitação.

Notas e Créditos

* Foto e texto: Ulisses Passarelli.



[1] - No começo do século XX, na área da Ponte do Porto, fazia-se embarque de lenha. Os paus cortados desciam o rio até a base da ponte, acondicionados em jangadas, donde eram levados para a venda na cidade, através de carros de boi e burros cargueiros, num tempo que não havia fogões à gás. Um anúncio a propósito: “Lenha picada. Entrega-se em carroças a domicilio. Para encommendas nas seguintes casas: Silva & Bastos, João Teixeira e Lopes & Filho” (A Opinião, n. 19, 11/09/1909).

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