O engenheiro José de
Carvalho Almeida, em 1893, realizou estudos do sistema de várzeas do Marçal, do
Porto e da Água Limpa (Matosinhos), com vistas a instalação da futura capital
mineira nesta área. No relatório consta esta observação[1]:
"A Varzea de Mattosinhos possue igreja regular e
alguns predios de valor (p.7) (...) O bairro de Mattozinhos, que será absorvido na
futura cidade, possue uma boa igreja e alguns predios regulares de algum valor.
Seu arruamento é pessimo; podendo ser transformado lentamente, coagindo-se os proprietarios,
nos casos de reparação e reconstrucção dos predios actuaes, ou construcções de
novos, a obedecer ao plano de arruamento e edificação que for decretado"(p.19).
O
crescimento urbano do bairro inicia aproximadamente por essa época, como fica claro
na resolução nº 210 da Câmara Municipal, de 22/03/1899, que cria uma comissão
provisória ... [2] “para dar nomes a certas ruas do Barro, Mattosinhos e outros pontos da
cidade, afim de se poder regularisar o lançamento de impostos”. Eram
portanto vias novas que se abriam e que nem nomes tinham ainda.
O arruamento de Matosinhos
no século XX teve origem com o fim das grandes e numerosas chácaras, cujo
levantamento fornece HENRIQUES (2003). Elas espalhavam-se aqui e acolá pela
área do grande bairro, ligadas tenuemente por trilhas e caminhos precários,
carroçáveis no máximo.
O aspecto urbano era pois
esparso, pouco denso, com muito verde. A exceção era a praça do templo, que
tinha um pequeno núcleo de construções.
Outro núcleo, aliás
diminuto, estava na atual comunidade de Santa Clara, hoje contido no Grande Matosinhos (parece que originalmente fez parte do bairro das Fábricas). Em 28
de junho de 1901, a câmara decide proibir a construção de casas entre o Córrego
do Lenheiro e a via férrea, e o Ribeirão da Água Limpa e o córrego da Tabatinga
(que desce da Caieira, hoje bairro São Judas Tadeu). A mesma resolução
autorizava a despesa de seiscentos mil réis para indenização de concessões
anteriores, bem como, arborização da praça ali existente, a qual se deu então,
o nome de Pedro Paulo, em homenagem ao antigo comandante da guarnição militar
desta cidade, coronel Pedro Paulo da Fonseca Galvão [3].
Com base nessa resolução, a
câmara indeferiu os requerimentos de concessão de lotes na “rua da Fábrica de
Louça” (que dá acesso à Bernardo Guimarães, antes da Ponte Beltrão), feitos por
José Joaquim Chaves, Guellere Giovani Maria, Affonso Neves de Carvalho e de
José Antônio das Neves [4].
Segundo relatório do
tenente-coronel Francisco Joaquim de Andrade e Silva, prestado à câmara, datado
de 12 de julho de 1901, Matosinhos media então 55.000 metros quadrados [5], o que dá uma ideia do
tamanho do bairro na época.
Em 1905, no lançamento de
impostos prediais para Matosinhos, aparece na “Beira da Praia” (margem do
ribeirão da Água Limpa) cinco propriedades da viúva do dr. Queiroz, perfazendo
144.000 de valor locativo [6].
"Egreja do Senhor Bom Jesus de Mattosinhos, mediana, situada mais perto
do Rio das Mortes, em um logar ameno, no meio de um quadrilatero formado pelas
casas de campo. O frontispicio com duas torres é bonito, e o interior é de um
aceio que reluz. (A vasta praça em que está situada esta egreja denomina-se
hoje “Chagas Doria” e é ahi que está sendo levantado o pavilhão para a
exposição que será realisada em 8 de dezembro do corrente anno)."
-
Praça Chagas Dória (antigo Largo de Matosinhos; atual Praça Senhor Bom
Jesus de Matosinhos).
-
Rua Bernardo Guimarães (nome mantido): 360m.
-
Rua Josué de Queiroz (nome conservado, porém como avenida): 450m.
-
Rua do Porto (atual Tomé Portes del-Rei): 70m.
-
Rua 13 de Maio (atual João Hallack): 260m.
-
Rua 6 de Abril (atual General Aristides Prado): 175m.
-
Rua 21 de Abril (atual Dr. Kleber Filgueiras): 180m.
-
Rua 7 de Setembro (nome mantido, mas como avenida): 410m.
As últimas quatro receberam
os nomes originais em 1914, segundo GUIMARÃES (1994). A mesma fonte informa que
o nome Bernardo Guimarães surgiu em 18/12/1925, por força da lei nº 459, que
alterava para tal nome um trecho da rua 13 de Maio [10].
Reparar
que a extensão da Avenida Josué de Queiroz era curta em comparação ao tamanho
atual, 2.600 m da travessia dos trilhos ferroviários ao Trevo do Elói, prova que o lado sul
estava praticamente despovoado, pelo que se justifica a afirmação de HENRIQUES
(2003): “O
pequeno bairro de Matosinhos naquela época desenvolveu-se muito timidamente
para o lado da hoje Vila Santa Terezinha, que na época chamava-se ‘Vila Nova’.
O nome Vila Nova durou até a inauguração da Igreja de Santa Terezinha”. Ora, tal
construção religiosa foi benta em 1945.
No ano seguinte, informa
GUIMARÃES (1994), nas suas proximidades, são nomeadas duas novas ruas: a
Expedicionário Francisco Batista Rios e a Antônio Coelho da Silveira. Ainda
conservam estes nomes.
Não
obstante esse aspecto, o crescimento urbano e também o comercial nessa época
foram relativamente lentos. Em 1931, apenas dois profissionais liberais ali
residiam: Dr. Paulo de Resende Campos e Dr. Silvano Carneiro, ambos dentistas,
já sem exercer a profissão, moradores da Praça de Chagas Dória [11]. Em 1935 o único ponto
comercial citado no bairro era a casa de secos e molhados do varejista José
Sbampato [12]. Em 1948 só é citado o
dr.Paulo Campos como profissional liberal e no campo industrial, a Fiação e
Tecelagem Matosinhos s./a. e a Mineração Apollo s./a., que explorava estanho,
ambas com escritório na Praça Chagas Dória [13].
No
princípio da década seguinte, informam CRISTÓFORO & PALHARES (1941), por
intermédio de Tancredo Neves, foi construído em Matosinhos, dois conjuntos
residenciais do IAPI, um maior, próximo à Rua Amaral Gurgel e outro com 75
moradias, na Praça Pedro Paulo.
No fim dos anos 70, o
prefeito Otávio Neves promoveu calçamentos no Jardim Paulo Campos,
ajardinamento da praça de Matosinhos, instalou quebra-molas na avenida Josué de
Queiroz e meio-fio na praça Santa Teresinha [15].
O Prefeito Rômulo Viegas fez melhorias na praça de Santa Terezinha [16]. A seguir caiu em longo
abandono. No ano 2000 as obras foram retomadas, mas impasses políticos logo a
paralisaram, gerando revolta nos moradores [17]. Só em 2002 foi
reurbanizada, após longas polêmicas e aproveitamento político da situação,
muito comentado no boca-a-boca. Diante dessa realidade histórica absurda,
parece até irônica a placa ali afixada, quando da solenidade de inauguração da
praça, cujo texto é o seguinte: “O sonho
de 35 anos virou realidade graças a todos vocês eleitores que acreditaram em
nós com seus votos. Obrigado.”
Tal praça conta com um
coreto, play-ground e fonte. Além das
festas do orago desta igreja (outubro), a Praça de Santa Teresinha durante
muitos anos se destacou pelas animadas festas de queima de Judas, aí realizadas
na Páscoa.
Resta
esclarecer que o Matosinhos tradicional está compreendido nos limites extremos
da Ponte Presidente João Pinheiro e a Rua Farmacêutico Guillarducci. A área
mais ao sul é relativamente recente e foi ganhando outros nomes, embora no todo
se considere como Matosinhos: Vila Santa Terezinha, Bom Pastor, Pio XII. Faz
também parte o Jardim Paulo Campos, Vila Nossa Senhora de Fátima, Vila Santo
Antônio, Santa Clara. Em 1989 a câmara de vereadores considerou a cidade com
apenas oito bairros: Centro, Jardim Central, Tijuco, Bonfim, Senhor dos Montes,
Fábricas, Colônia e Matosinhos. Os limites deste último seriam [18]:
"Foz do Córrego do Porto (hoje seco) no Rio das Mortes;
Rio das Mortes (inclusive ilha próxima à Ponte do Porto) até a foz do Córrego
do André; Córrego do André (passando pela ponte na BR-265) até a foz do Córrego
Morro Redondo (a uma distância de 500 metros da Rodovia BR-265) à margem da
BR-265, a uma distância de 500 metros até o Ribeirão da Água Limpa; Ribeirão da
Água Limpa até sua foz no Córrego do Lenheiro; Córrego do Lenheiro até sua foz
no Rio das Mortes; Rio das Mortes até a foz do Córrego do Porto (hoje seco),
onde finaliza."
Esta seria
a área que se convencionou chamar mais tarde de “O Grande Matosinhos”, compreendendo
as divisões supracitadas.
Notas e Créditos:
* Texto: Ulisses Passarelli
[1] -
Existe um exemplar deste relatório na Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida, de São João del-Rei.
[2] - S. João d’El-Rey, n. 14, 22/04/1899.
[3] - O Combate, n. 83, 27/07/1901.
[4] - O Combate, n. 81, 20/07/1901.
[5] - O Combate, n. 82, 24/07/1901.
[6] - O Repórter, n. 21, 04/06/1905.
[7] - O Repórter, n. 79, 13/071901.
[8] -
Cf.: SINOPSE ESTATÍSTICA DE SÃO JOÃO
DEL-REI. São João del-Rei: Casa Assis, 1931. edição Comemorativa do
Cinqüentenário da EFOM.
[9] -
Matadouro novo: o anterior ficava no final do Matola e a rua fronteira ganhou
por isto o epíteto “Rua do Matadouro Velho” (Rua Padre Sacramento, desde 1923).
A Rua do Matadouro Novo surgiu após a retirada dos trilhos e retificação para o
itinerário atual da ferrovia, defronte à igreja.
[10] -
Sobre a mudança de topônimos que ora atingiu graus absurdos, foi assim
comentada: “De tempos em tempos, os
brasileiros, e em especial nós são-joanenses, somos surpreendidos com mudanças
de nomes de ruas da nossa cidade, do nosso bairro, da nossa rua. (...) A rua é uma extensão da casa. Mudar o nome
da rua sem uma razão muito convincente é ferir a individualidade do cidadão”.
FERREIRA, José Alberto. Nomes de rua: referência histórica e sentimental. Gazeta de São João del-Rei, n. 205,
13/07/2002.
[11] -
SINOPSE
ESTATÍSTICA DE SÃO JOÃO D’EL-REY. São João del-Rei: Casa Assis,
1931. edição Comemorativa do Centenário da EFOM.
[12] -
INDICADOR URBANO DE SÃO JOÃO D’EL-REY,
ESTADO DE MINAS. São João del-Rei: Castello, 1935.
[13] -
SINOPSE ESTATÍSTICA DO MUNICÍPIO DE SÃO
JOÃO DEL-REI. Belo Horizonte: Departamento Estadual de Estatística (IBGE),
1948.
[14] -
O Correio, n. 2.960, 31/05/1959.
[15] -
Tribuna Sanjoanense, n. 205,
14/02/1978.
[16] - Gazeta de Matozinhos, n. 2,
mar./1993.
[17] -
Gazeta de São João del-Rei, n. 92,
29/04/2000.
[18] -
Jornal de S. João del Rey, n. 138,
09/09/1989.
Olá Ulisses mais uma vez parabéns. Na referência de fontes consta "Gazeta de Matosinhos" (16). Não me lembro dessa publicação. Você tem mais dados a respeito da Gazeta de Matosinhos? Abraços. José Claudio Henriques.
ResponderExcluirCamarada: pesquisei muito nos jornais. Lembro desse vagamente e ora não recordo de detalhes para te dar. Vou ver acho algo a respeito e te repasso. Grato pela visita e elogios. Você é sempre muito bem vindo. Considero-o um notável pesquisador da histório e tradições desse grande bairro. Abraços, UP.
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