quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A Chegada da Maria Fumaça

A ferrovia foi um progresso incomensurável por toda parte, unindo regiões antes inimagináveis.

A terceira ferrovia construída no país foi a Dom Pedro II, inaugurada em 29/03/1858, no Rio de Janeiro, com 48,2 km iniciais, bitola de 1,60 m. Passou mais tarde por várias ampliações de trajeto e chegou a Minas Gerais.

Uma lei estadual, a nº 1.914, de 19/07/1872, contemplava a possibilidade de uma ligação ferroviária entre a cidade de São João del-Rei e a supracitada D. Pedro II. Mas se desvalidou sem efetivação.

Surgiu outra lei do Estado, a nº 1.892, de 11/11/1873, prevendo uma ligação por via férrea de algum ponto da ferrovia D. Pedro II para rumo oeste atingir um trecho navegável do Rio Grande e do término deste, de novo rumo oeste, até as fronteiras do Estado (então chamado província). Esta lei nos favoreceu pois São João del-Rei estava na direção pretendida.

Posteriormente, revogou-a outra lei do Estado, a de nº 2.398, de 05/11/1877, que favorecia a criação do trecho férreo até São João del-Rei.

Com este respaldo, logo formou-se uma sociedade anônima nesta cidade, sob os auspícios dos empreendedores Luiz Augusto de Oliveira e José de Resende Teixeira, que conseguiram a concessão com o privilégio de 50 anos. Em 02/02/1878 estava criada a Cia. Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), dirigida pelo Dr. Aureliano Martins de Carvalho Mourão (presidente), José da Costa Rodrigues (secretário) e Antônio José Dias Bastos (tesoureiro). Graças a eles e aos acionistas populares, conseguiu-se levantar considerável soma em dinheiro, não todo porém. Mas tendo baixado bastante o custo/quilômetro (o menor até então alcançado) e reduzindo a bitola para 76cm (carinhosamente apelidada de bitolinha), foi assim possível iniciar as obras em junho seguinte. José Cláudio Henriques fez justiça a esses acionistas considerando-os patriotas [1].

A notável figura de Aureliano Mourão nunca poderá deixar de ser frisada nesse processo. Era advogado e tinha escritório em São João del-Rei à Rua da Prata (atual Padre José Maria), nº 7 [2]. Foi Imperador do Divino nesta cidade, no ano de 1892.

A fiscalização das primeiras obras coube ao engenheiro Paulo Freitas de Sá.

O primeiro trecho ia de Sítio (atual Antônio Carlos – Km 0 da EFOM, entroncamento com a D. Pedro II) até Barroso. Tinha 49 km. Foi inaugurado em 30/09/1880 e logo iniciou o tráfego. Entre Sítio e Barroso só havia então uma unidade telegráfica, estabelecida em Ilhéus.

Continuaram as obras rumo a São João del-Rei já inauguradas no ano seguinte, com a presença do próprio Dom Pedro II. Neste segundo trecho só havia então a estação de Tiradentes (ex São José del-Rei) e o posto telegráfico do Morro Redondo. Mais tarde surgem outras estações e paradas.

Em 24/08/1885, a companhia obtém concessão para estender os trilhos até Oliveira com ramificação para Ribeirão Vermelho. As obras iniciaram em julho do ano seguinte. A velocidade do trabalho braçal foi extraordinária. Não se dispunha de tratores ou caminhões, senão ferramentas manuais, carroças, zorras e carros-de-boi. Machados, picaretas, enxadas, tração animal e a força do braço, abriram caminho sertão adentro. Derrubando árvores, retirando rochas das pedreiras, terraplenando, erguendo pontilhões, arrimando, fazendo estações, assentando dormentes e trilhos, já em 31/10/1887 inaugurava-se a estação de Oliveira. No 14 de abril seguinte inaugurava-se a de Ribeirão Vermelho.

Outra concessão, de 27/12/1888, autorizada pela lei mineira 3.648, de 1º de setembro daquele ano, possibilitou nova extensão da via. Deveria ir ao Alto Rio São Francisco, na barra ou imediações do Rio Jacaré e conter um ramal para Itapecerica. Iniciaram os trabalhos. Pelas tantas, a companhia conseguiu alterar a concessão esticando-a até a confluência do Rio Paraopeba com o Rio São Francisco e aí fundou-se a estação de Barra do Paraopeba em 10/02/1894, km 602 da bitolinha e seu ponto final. Pretendia a EFOM explorar navegação no São Francisco.

Sobre navegação aliás, o que se sabe com certeza é que houve em 208 km do Rio Grande, alcançada pela ferrovia em Ribeirão Vermelho, entroncamento ferroviário importante e ponto de partida da navegação fluvial a vapor, rumo sudoeste, até Capitinga, acima da Cachoeira de Furnas [3].

A EFOM continuou ampliando sua extensão, noutra bitola (1 metro). Mas está circunscrito para este texto apenas o assunto da bitolinha (distância entre trilhos de 76 cm), motivo pelo qual não se irá enveredar nesse outro histórico.


Maria Fumaça nos fundos de Matosinhos.


Em dois textos, Bruno Nascimento Campos abordou a inter-relação entre a expansão das atividades econômicas do final do período oitocentista, a fixação dos imigrantes e a chegada do trem, considerando ainda a conotação política que a ferrovia alcançou, enquanto emblema do progresso [4].  
Após várias mudanças administrativas, a bitolinha ficou reduzida a 12 km, de função turística, entre São João del-Rei e Tiradentes. No mais foi erradicada, o que, sob qualquer espécie de alegação é injustificável. 

Notas e Créditos

* Texto: Ulisses Passarelli
** Foto: Iago C.S. Passarelli, dez.2012




[1] - O Grande Matosinhos, n. 11, set./2000.
[2] - Arauto de Minas, n. 6, 13/04/1883
[3] - Com os seguintes portos intermediários: Congonhal, Ferreiros, Jacaré e Osório.
[4] - A imigração e a Oeste de Minas em São João del-Rei. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, n. 12, 2007.
A apropriação do trem: luta política em periódicos são-jonenses (1878-1889). Idem. 

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