Os festejos de 1998 a 2003
A
parte folclórica-religiosa iniciou-se na pascoela (designação portuguesa da
semana seguinte à páscoa), quando começaram a sair às ruas e à zona rural as
folias do Divino, em jornada de visita às casas, anunciando o jubileu e
arrecadando donativos.
Concomitantemente
o cavaleiro do Divino marchou solitário pelos rocios, com as mesmas funções de
uma folia a não ser a da parte musical.
Enquanto
folias e cavaleiro jornadeavam pelo município, os preparativos para a festa
estão a todo vapor. A comissão corre atrás dos últimos detalhes, compras,
patrocínios, questões organizacionais, pintura dos mastros, montagem do coreto,
etc.
Uma
atração acontecida apenas em 2003, acerca de um mês antes da festa, foi o
leilão de gado, realizado nas dependência do matadouro municipal, em
Matosinhos. Procuradores de gado, previamente designados por cartas de
apresentação, percorreram a zona rural do município arrecadando bezerros,
garrotes, leitões e galinhas. Apareceram também prendas diversas, tudo leiloado
em favor da festa. Josino Inácio do Nascimento foi o leiloeiro. O local foi
enfeitado com um estandarte do Divino. O evento foi anunciado nas emissoras de
rádio locais e alertado na hora por seguidos rojões.
Na Quinta-feira da Ascensão, pelas
18 horas, os caixeiros precedidos pela bandeira do Paráclito, rumaram para a
residência do imperador coroado onde rufaram em sua homenagem. Depois da
merenda que ele lhes ofertaram o conduziram para a matriz onde todos assistiram
à missa. Ao fim da celebração entronizaram a imagem do Divino no altar-mor.
A
novena processou-se dividida em duas fases: nos seis primeiros dias como
reflexões comunitárias, em cada comunidade paroquial e só nos últimos três dias
na matriz, de 1998 até 2002. De 2003 em diante todos os dias passaram a ser na
matriz.
A
cavalgada do Divino transcorreu dentro do período compreendido pela novena e
serviu de anúncio à festa. Percorreu as vias principais.
Os
três últimos dias da novena tiveram a designação de tríduo preparatório. As
atividades foram noturnas. De dia, fugiu à rotina apenas o repique festivo de
sinos da matriz e alguns fogos de artifício que ali se soltaram às 12, 15 e 18
horas.
Pelas 18 horas, na gruta do
Divino, esteve reunida a comunidade local para a novena (que ocorre paralela à
de Matosinhos embora pertença a outra paróquia – São Francisco de Assis). Foi
erguido, ao seu término, um mastro ao Espírito Santo, entre a gruta e o
cruzeiro que a ladeia. Na seqüência outro mastro, também do Divino, foi fincado
junto ao salão da Conferência de Santa Clara. O evento foi bem restrito, sem
concorrência. O acompanhamento musical variou com os anos (folia, congado,
caixeiros ou sem acompanhamento). Houve fogos de artifício avulsos.
A missa das 19 horas foi de
responsabilidade do grupo de Renovação Carismática Católica. Atraiu muitos
fiéis, carismáticos ou não. Durante a celebração, o quadro do Espírito Santo e
o de Santo Antônio ficaram juntos ao altar. Estes quadros foram erguidos nos
mastros. Sobre o altar estiveram as insígnias do Divino (que aí ficaram nos
três dias do tríduo). Ao término ocorreu a novena. Uma vez encerrada o sino
tocou e alguns fogos avulsos foram soltos.
Na porta principal se postou
em dupla fila a irmandade do Santíssimo Sacramento dessa paróquia, com os
ciriais encabeçando cada ala e o cruciferário ao centro e à dianteira. O padre
abençoou os quadros e procedeu-se uma rasoura com eles, acompanhada pelos fiéis
e pelo(s) congado(s) da cidade [2].
Contornando o adro, a pequena procissão chegou aos buracos abertos no vasto
pátio, guarnecidos cada um por uma vela acesa. Neles se fincou primeiro o
grande mastro do Espírito Santo e na sequência o de Santo Antônio [3].
O momento foi de muita prece dos fiéis e de efusiva alegria. Os sinos dobraram.
O vigário deu uma bênção. Fogos espoucaram.
O levantamento dos mastros
foi o momento em que os rituais folclóricos se consolidaram, mas também
passaram por experiências adaptativas. Em 1998 foram erguidos pelos congadeiros
na véspera de Pentecostes, o mastro do Divino ao centro e ao seu redor dois outros, um de cada grupo
presente – de N. S. do Rosário e de S. Benedito. No ano seguinte foi mantido
neste dia, mas ausente o mastro de S. Benedito. De 2000 em diante o
levantamento foi adiantado para a quinta-feira e desde então se mantém. A
partir de 2003 foi abolido o do Rosário, que só passou a ser permitido no Dia
Maior.
A
sexta-feira do tríduo foi consagrada ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos. A
celebração foi por intensão dos folieiros e congadeiros vivos e falecidos.
Trata-se de uma missa inculturada, com inovações anuais sobre o mesmo fio
condutor. Tem sido uma atividade de grande êxito no jubileu. Sua iniciativa foi
do “Grupo de Inculturação Afro-descendentes Raízes da Terra” [4],
de características parafolclóricas e paralitúrgicas, com acentuada atuação da
tradicional família Neves, que tem sido um dos baluartes da manutenção das
tradições culturais e religiosas da cultura popular.
O sábado, véspera de
Pentecostes, teve programação mais numerosa. Pelas 15 ou 16 horas, de 1999 a
2002, houve o anúncio feito pelo alferes da bandeira no centro histórico. O
cargo era então ocupado pelo mesmo cavaleiro do Divino que também compareceu
montado, contudo, trouxe o cavalo enfeitado com plumas à testa, e outros
atavios. O cavaleiro vestiu calça branca, botas pretas de cano alto, jaquetão
de veludo com alamar, dragonas, botões dourados, bordados amarelos na lapela.
Chapéu tricorne revestido do mesmo veludo, cor de vinho, com debruns dourados;
ou um chapéu à espanhola, do mesmo material, quebrado de um lado, com uma pluma
afixada.
Percorreu
as ruas antigas do centro da cidade, segurando o estandarte do Divino, em
marcha compassada, acompanhada por uma banda de música. A passeata anunciatória
sai do Largo Tamandaré (Praça Severiano de Resende), Rua Marechal Deodoro,
Travessa Lopes Bahia, Largo do Carmo, Largo da Cruz, Largo das Mercês, Rua Monsenhor
Gustavo (ladeando a catedral), Largo do Rosário, Ponte do Rosário, Rua da Prata
(atual Rua Pe. José Maria) e termina no Largo de São Francisco. Tal anúncio se
inspirou naquele de outrora que ficou célebre na véspera festiva, quando uma
banda tocava pelas ruas da cidade até Matosinhos.
Da
monumental Igreja de São Francisco de Assis, partiu às 17 horas a Procissão do
Imperador Perpétuo, Santo Antônio de Pádua. Esse horário foi adotado a partir
de 2001. Antes ocorria às 16 horas. Na festa de 1998 (organizada heroicamente
em apenas três meses) não houve tempo hábil para ser organizada. A liteira saiu
da casa do imperador com o cortejo imperial, no domingo. No ano seguinte saiu a
procissão, o que seria impossível sem o apoio e compreensão da Venerável Ordem
Terceira de São Francisco de Assis. Antes da saída, o sacerdote convidado,
padre Antônio Claret Albino, procedeu à bênção de um milheiro de pães doados
por fiéis, que mais tarde foram distribuídos à porta da matriz de Matosinhos. A
dificuldade em consegui-los não possibilitou mais que fossem distribuídos pães
bentos nas festas consecutivas.
Imagem de Santo Antônio da Igreja de São Gonçalo Garcia. Usada como representação do Imperador Perpétuo nas primeiras procissões após o resgate. |
A
estrutura processional foi a seguinte: na dianteira, o alferes da bandeira a
cavalo; logo a seguir, ao centro e à frente, o cruciferário (membro da
irmandade do Santíssimo de Matosinhos), ladeando-o, à direita e à esquerda,
como abre-alas, os ciriais (idem); o
povo em sequência em duas filas paralelas; ao centro, entre as filas, foram
crianças vestidas de anjos e virgens e pessoas carregando as bandeiras do
Divino em fila dupla, puxadas pelo mordomo da bandeira e tendo na retaguarda o
mordomo da coroa, com um estandarte do Espírito Santo[5].
Na seqüência veio o imperador coroado, de terno, trazendo a coroa não na cabeça
mas nas mãos, em sinal de respeito ao imperador perpétuo. Seguiu-se a liteira,
carregada por soldados a convite dos festeiros, que consideraram que Santo
Antônio é patrono dos militares. Ao lado da liteira houve uma escolta de quatro
lanternas processionais levadas pelos irmãos do Santíssimo de Matosinhos.
Seguiu-se o padre com os coroinhas e os representantes dos sodalícios
religiosos convidados. Veio a folia do Divino das mulheres e a banda, que
fechou o cortejo. Durante uma breve parada na travessia da via férrea, a banda
saiu do cortejo em direção à Gruta do Divino (onde lhe ofertaram um lanche) e
aí entrou em seu lugar outras folias do Divino (bairro das Fábricas e
Guarda-mor) que trouxeram o imperador eleito, que se postou à direita do
imperador coroado. Na Praça Pedro Paulo ingressou mais uma folia. Até 2001 a
liteira ficava no Salão de Santa Clara donde só seguia até a matriz no dia
seguinte, embora os fiéis prosseguissem em marcha.
Na passagem pelas igrejas,
houve fogos de artifício e toques de sinos.
O
itinerário antigo foi conservado por razões históricas: Largo de São Francisco,
Rua Balbino da Cunha, Igreja de São Gonçalo Garcia, Rua Comendador Bastos
(antiga Rua da Misericórdia), Praça Duque de Caxias, Matola (atual Rua Padre
Sacramento) e daí a Matosinhos pela Praça Pedro Paulo, Ponte Beltrão e Rua
Bernardo Guimarães. Esse trajeto é aquele que outrora passava a procissão e
ainda quantos vinham a Matosinhos, única via de acesso desde os tempos
coloniais.
Continuando a programação,
ocorreu a missa, que nesse dia foi por intenção dos festeiros e benfeitores da
paróquia e da festa. A participação especial tem sido do grupo “Coroinhas de
Dom Bosco”, competente coral da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar.
Ocorreu em 2003, após a missa, a coroação da imagem de Nossa Senhora da Lapa
pelo imperador. Recém-chegada da oficina de restauração, houve oportunidade de
empregá-la neste mister. Montada sobre um andor, adornada em conformidade e
iluminada com um foco sustentado por bateria de automóvel, foi coroada sob
aplausos e vivas. Foi então carregada processionalmente, ao redor do altar.
Frise-se que o imperador, antes de coroá-la, retirou a própria coroa da cabeça
em sinal de respeito e humildade, reconhecendo que a realeza de Maria é maior.
Um detalhe acrescido em 2003
foi a toalha do altar e a toalha de ambão com a efígie de Nossa Senhora da
Lapa, iniciativa de um dos festeiros, José Gonçalves de Sousa, que custeou a
idéia anterior de outro festeiro, Otávio Félix Pereira da Silveira. As estampas
das toalhas tiveram o risco de Aluísio dos Santos [6];
pintura e apliques de Rodrigo de Oliveira Lima.
Enquanto acontecia a missa
foi servido um lanche aos folieiros no salão da catequese [7],
de função muito relevante na coesão dos grupos pela confraternização e
auto-valorização que proporcionou.
O salão esteve todo
enfeitado com motivos pentecostais e mensagens, afixadas em cartazes nas
paredes e escritas a giz no quadro negro, davam as boas-vindas e parabenizavam
aos folieiros. Cadeiras foram espalhadas pelo perímetro, tendo o centro livre.
Ao fundo a mesa com grande fartura de doces, salgados, bolos, refrigerantes e
café. Todas as folias se reuniram e alimentaram-se à vontade. Enquanto se
alimentavam, os membros da Pastoral Vocacional cantam ao violão músicas da
Igreja para os folieiros. Ao término da refeição, montou-se uma folia gigante,
formada da totalidade dos participantes de todas as folias, irmanados no
objetivo único de agradecer. Irrompeu o primeiro mestre cantando na sua toada
dois ou três versos, que os outros folieiros acompanharam. É a vez de outro, na
respectiva toada e assim por diante, cada um no seu ritmo que de imediato foi
acompanhado pelos membros das outras folias. O êxito desta recepção às folias
foi devido sobretudo aos esforços abnegados de Márcia Mercês Santos Neves.
Ao final da novena todos se
juntaram em torno do coreto. Houve o encontro das bandeiras, assim chamada a
apresentação das folias do Divino, uma por vez. Evento muito concorrido. O adro
permaneceu lotado até o fim das apresentações. O público muito variado e
bastante atento, demonstrou o grande prestígio dessa manifestação folclórica.
Apenas em 1998 o encontro foi domingo à tarde.
Finda
a apresentação, subiu ao coreto o grupo de serenata da ASAP [8],
de qualidade indiscutível. Encerrou a noite com chave de ouro, rememorando com
afinação, velhos sucessos enamorados.
Em 2003 houve um show após a serenata.
O dia maior iniciou-se cedo
com a alvorada, desdobrada em etapas. Houve dois anúncios feitos por um rojão
solitário na gruta do Divino, às 5 e às 5 h 15. Às 5 h 30 estourou-se uma
bateria de fogos nesse local e os caixeiros fizeram os toques dos tambores, na
gruta, no mastro local, no cruzeiro que o ladeia e no império, ali armado. Com
mais 15 minutos foi feito o toque das caixas na Santa Clara, diante do salão e
do mastro. Alguns fogos espoucaram à parte. Às 6 horas em ponto foi a vez da
alvorada central e de obrigação, na matriz. Após a sexta badalada, irrompeu o
foguetório, os toques de caixa dentro do templo e os repiques dos sinos.
A seguir bateram-se as
caixas ao redor dos mastros principais. Encerrou-se a alvorada entre 6 h 15 e 6
h 45, com o toque de caixas à porta do imperador, que lhes serviu breve
merenda. Toda a movimentação dos caixeiros foi feita com uma bandeira do
Espírito Santo à dianteira.
O adro e o templo estavam enfeitados. Internamente
flores em profusão nos altares e nichos, além das alfaias próprias ao dia.
Todas as toalhas e cortinados foram vermelhos e da mesma cor os paramentos
sacerdotais. Externamente muitas bandeirinhas de papel de seda, brancas e
vermelhas, alternadas, em longos cordões que partiram da cruz do frontispício
em direção aos postes do adro. A partir de 2001 cada poste passou a ter também
uma bandeira branca e outra vermelha amarradas a ele. Em 2003 acrescentou-se o
gonfalão, na mesma cor, esvoaçando em cada torre. Nesse mesmo ano colocou-se
pelo lado da praça duas placas nas colunas que sustentam o portão de entrada.
Numa se escreveu 1774 e noutra 2003, datas respectivas da primeira festa e a
daquele ano [9].
A
missa matutina foi nesse dia intitulada “festiva” e de forma condizente
conduzida alegremente, mais informal, breve. Parte musical ficou a cargo do
coral paroquial.
Ao
seu término e em seqüência, os congados começaram a ser recebidos no adro. Cada
guarda [10]
foi recepcionada no portão central do adro pelos capitães-meirinhos e
meirinhos. Os grupos foram saudados a começar pela bandeira e a seguir o 1º e
2º capitão, caciques e dançantes. A forma de cumprimento entre todos foi
específica. Era então costumeiro ficar junto ao portão alguém com a bandeira do
Divino, ofertada ao ósculo dos fiéis. Os congados saudaram aos festeiros,
pediram licença e louvaram aos santos.
A seguir fincaram seus
próprios mastros, com o quadro ou bandeira do santo de devoção ou outros
eventualmente emprestados pelos festeiros. Nem todos os grupos porém ergueram
mastros. Foram fincados em semicírculo ao redor dos principais (Divino e Santo
Antônio), que ali já estavam desde a quinta-feira. Eram menores em altura e a
sua posição satélite permitia simbolicamente compreender que os santos
protetores de cada guarda visitante estavam também presentes para ajudar a
festa.
A Missa das Crianças foi
celebrada às 9 e 30 horas pelo bispo Dom Valdemar Chaves de Araújo. Teve a
participação do grupo de pastorinhas das Águas Férreas e de vários escolares do
bairro e de outras partes de cidade.
Como os congados não tocam durante a celebração, foi
costume até 2002 levá-los neste horário para a quadra do Centro Social e
Cultural da paróquia, onde lhes serviam o café da manhã, mediante apresentação
de fichas, previamente distribuídas e entregues na passagem pela portaria. Em
2003 foi instituído com êxito novo esquema: os capitães-meirinhos e os
meirinhos, postados na rua em frente à igreja e os festeiros responsáveis pela
distribuição das fichas, encaminharam cada terno ao descer do ônibus direto
para o café, à partir das 7 horas. Terminado o desjejum vinham para a igreja.
Na hora da Missa das Crianças os congados se deslocavam para a Vila Santo
Antônio, o que só ocorria antes do referido ano, após a celebração.
O recolhimento do reinado
apenas em 1998 se processou no Jardim Paulo Campos, à Rua João Cantelmo. Já a
partir do ano seguinte foi deslocado à Vila Santo Antônio, onde se mantém. Até
2001 o reinado (reis, rainhas, príncipes e princesas) e o juizado (juízes e
juízas de vara, de manto e de ramalhete) se reunia numa garagem ampla da Rua
Barão de São João del-Rei e depois, com a construção do Salão Comunitário de
Santo Antônio na Rua Antônio Firmino de Paula para lá se transferiu, na mesma
vila.
O
salão foi adornado. Os personagens reais como convidados honorários aguardavam
os congados. Trajados e com a coroa à cabeça, os reis, rainhas, príncipes e
princesas receberam cada qual um cetro de madeira, nas cores do Divino e os juízes
as insígnias que os denominam.
Os congadeiros desceram pela
Rua Guia Lopes. Cada guarda que passou defronte ao salão veio saudar o reinado
e escoltar alguns de seus representantes, de tal sorte que todos os ternos os
conduziram, divididos de acordo que cada grupo não ficasse sem membro real.
Retornaram pela Rua Barão de
São João del-Rei e Avenida Sete de Setembro.
Enquanto
tudo isto se processou, apresentaram-se no adro/coreto as pastorinhas e danças
das fitas. Ao fim de suas apresentações os congados adentraram pelo templo e
deixaram sentados à esquerda do altar as figuras reais e juízes. Rumaram a
seguir direto para o almoço.
Dentro
da igreja só ficou o moçambique “Nossa Senhora Aparecida”, de Passa Tempo. A
guarda se postou defronte ao altar. As açafatas trouxeram um cestinho cheio de
pétalas de flores e papel picotado e jogaram sobre a imagem do Espírito Santo
como uma chuva colorida. Os moçambiqueiros cantaram: “Tá caíno fulô! / Tá caíno fulô!
/ Lá do céu, cá na terra... / Êh! Tá caíno fulô!
Seguiu-se
o ritual da chamada, conduzido do microfone do altar. Consistiu em se chamar
nominalmente um por um dos personagens do juizado e do reinado ao altar, onde
deixaram um envelope contendo uma espórtula voluntária e receberam em troca um
cartucho de amêndoas, sob o toque de uma campainha. O moçambique rufou as
caixas, parado, sem cantar, a cada oferta depositada. Iniciou-se chamando os
juízes de manto que forraram a mesa do altar com os mantos de veludo que
ofertaram. Na seqüência os de vara e os de ramalhete, que entregaram essas suas
respectivas insígnias. Depois o reinado, primeiro com reis e rainhas e a seguir
príncipes e princesas [11].
Concluída a chamada, o dito moçambique recolheu todos para o almoço.
No
salão do Centro Social e Cultural se processou o almoço. A agitação foi imensa.
Uma algaravia de toda a gente congadeira demonstrava a alegria e descontração
fraterna. Instante de descanso e relaxamento das tensões e compromissos. Houve
em alguns anos a reunião de tocadores de diferentes procedências tocando
rancheiras, arrasta-pés e calangos, no breve intervalo da sesta. Congadeiros
amigos ou simples colegas, de ternos diversos se reencontravam, abraçavam-se,
conversavam descontraídos. Cada grupo ao terminar, retirava-se do salão
cantando um agradecimento do almoço.
Aos
poucos reuniram-se na Rua Carlos Guedes e daí partiram rumo à Gruta do Divino,
perto das 13 h 30.
Enquanto o cortejo rumou
para a gruta, o adro em Matosinhos se esvaziou. Técnicos de sonorização
aproveitaram o momento para o teste e repasse de som na aparelhagem do coreto,
em preparação ao show de logo mais.
Já por vários anos tem se apresentado na tarde com a saída dos congados, um
grupo de capoeira, que voluntariamente comparece, reunindo público para a
demonstração de sua arte.
Na
gruta estava armado o império do Divino, com o imperador de traje completo,
nele aguardando para recepcionar aos congados. Passaram um por vez, cantando e
dançando no seu ritmo em saudação, por alguns minutos. O lugar sempre esteve
bastante enfeitado e com boa assistência.
De tanto em tanto soltavam
foguetes avulsos.
O último congado a passar
foi o moçambique de Passa Tempo com a responsabilidade de conduzir o imperador
e o andor a Matosinhos, o que quer dizer que é a guarda que vai mais perto dos
dois.
No retorno a Matosinhos, fizeram antes uma volta pela Rua Antônio
Josino Andrade Reis (“Beira da Praia”), em direção ao centro da cidade, virando
de volta na 2ª travessa (a 1ª é onde está a gruta);
tomaram a Rua Antônio Rocha e daí voltaram à igreja.
Na
passagem pela Santa Clara, ingressou no cortejo o imperador eleito,
cumprimentado formalmente pelo coroado. Caminhou à sua direita, dentro do
quadro.
A
passagem pela Rua Bernardo Guimarães foi sempre marcada pelo entusiasmo dos
moradores locais e pelo extremo zelo no enfeite daquela via, sacralizada com
tapetes de serragem e areia, em variadas cores obtidas por tingimento. São
inspirados por temas pentecostais. Também múltiplas bandeirinhas, altares
externos fronteiros às residências, colchas finas nas janelas, jarras e vasos
de flores completavam a ambientação.
A
apoteótica chegada à Praça de Matosinhos foi sob intenso foguetório. As guardas
abriram alas e entre elas veio passando o supracitado moçambique, trazendo os
imperadores e o andor, entre palmas, vivas, repiques de sino, rufados e toques.
Iniciou-se
a missa solene às 16 horas, tocando a orquestra sacra bicentenária “Lira
Sanjoanense”. A homilia foi voltada para o Espírito Santo. Ao fim da celebração
procedeu-se à coroação do novo imperador. Os imperadores permaneceram sentados
lado a lado na lateral esquerda junto ao altar, em cadeiras reservadas aí
postas adrede, à guisa de tronos. Na lateral oposta outras cadeiras serviram às
autoridades convidadas.
A coroação em si é simples, embora solene.
Oficiada pelo pároco, este recebeu a salva e voluntariamente das mãos do
imperador a coroa, posta sobre a salva. A seguir recebeu o cetro, que é posto
atravessado, entremeando o vão da coroa. O mestre de cerimônias, que até esta
altura orientava os procedimentos, retirou do imperador a capa e na seqüência a
faixa. Cingiu o novo imperador com a faixa e recobriu-lhe com a capa. O
sacerdote abençoou as insígnias e aspergiu água benta sobre elas. Retirou o
cetro, entregou a salva e coroou o imperador. Também entregou-lhe o cetro,
cumprimentando-o. A seguir, apresentou-o aos fiéis, que com um grito coletivo de
“Viva o Divino Espírito Santo”, o saudaram.
A
esta altura o velho imperador, agora isento de qualquer honraria, como que
desapareceu na festa. Ninguém mais lhe notou ou enalteceu, em detrimento do
novo. A renovação é brusca.
Um
intervalo de cerca de meia hora sem atração determinada antecede a novena. Os
congados voltam a tocar e no adro. Na praça a multidão conversa e acorre às
barracas. É um momento de descontração. É hora também de eventuais
apresentações específicas, por exemplo: folia de Reis de Ibertioga (2001),
moçambique de Itaguara (2002), dança das fitas - pelos vilãozeiros de Carmo da
Mata (2003).
A
procissão solene e luminosa do Divino ocorreu às 18 horas, saindo pela Avenida
Josué de Queiroz, tomando à esquerda a enfeitadíssima Rua Farmacêutico
Guillarducci - que rivaliza desde sempre com a Bernardo Guimarães no esmero dos
adornos - exemplos notórios de sacralização do espaço público. Passou pela
Avenida Sete de Setembro e daí voltou à matriz. Além da banda de música, os
congados participaram tocando, cantando e dançando livremente.
Na
dianteira o alferes da bandeira montado em seu cavalo abre-alas, seguido pelos
ciriais e cruciferário que antecedem a dupla fila de fiéis, tendo entre elas os
anjos e virgens, congados (mais ou menos distanciados uns dos outros) e o
conjunto de bandeiras do Divino, tal como na procissão do Imperador Perpétuo.
Participaram três imagens: a primeira é a de Santo Antônio, na liteira, na
seqüência a de Nossa Senhora e por fim a do Divino. A da Virgem Maria foi até
2002 a de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos congados. De 2003 [12]
em diante, estando a de Nossa Senhora da Lapa pronta pela restauração pela qual
passou, principiou a participação em detrimento da outra.
O imperador e seu séquito
bem como o padre ficaram na dianteira do andor do Divino. A banda fechou a
procissão.
A
chegada foi sempre profundamente festiva. Nela se aliaram formidavelmente num
entremeio agitado e apoteótico os fogos de artifício, batidos de caixas,
repiques de sinos, gritos de “salve!” e “viva!”, cantos e danças, além do
burburinho do contínuo comentário dos fiéis acerca da beleza da
festividade.
Recolhidas as imagens e
apostas junto ao altar, foram incensadas. Desde 2002 procedeu-se então a bênção
do Santíssimo Sacramento, também com manifestações dos dançantes, que se
conservaram todos no interior do templo.
Ao
encerramento vão tocando, um a um. No adros baixam os mastros e se despedem,
sendo o último a descer o do Divino, sempre com grande expectativa. A
assistência da descida dos mastros é surpreendente.
O
adro se prepara para o show de
encerramento no coreto. Findo o espetáculo tem lugar intenso foguetório.
No
domingo da Santíssima Trindade (o seguinte ao de Pentecostes), 18 horas,
baixou-se o mastro fincado na gruta e a seguir o da Santa Clara, ambos sem
nenhum evento especial, ocasião aliás restrita a uns poucos festeiros mais
envolvidos com os rituais.
[1] - A consagração destes dias foi iniciativa
tomada a partir de 2000. Neste ano e no seguinte a sexta-feira era consagrada a
Nossa Senhora da Lapa. Em 2002 a comissão alterou, considerando ser a
sexta-feira, dia devocional a Jesus, relacionado à sua Paixão e Morte e o
sábado a Maria.
[3] - O ano de 1999 deu ensejo a algumas experiências:
após o levantamento do mastro houve uma retreta de abertura com uma banda, o
que não se repetiu mais. Foi também a ocasião na qual se adotou o mastro de
Santo Antônio – a princípio com uma bandeira e a partir de 2002 com quadro; a
animação das missas foi dividida, passando a de sexta-feira ao Raízes da Terra
(grupo de inculturação) e a do sábado ao Coroinhas de Dom Bosco (coral); foi
abolida a vigília que fora feita em 1998, na igreja de Santa Terezinha, como
parte integrante da festa.
[4] - Criado em 1994 no bairro São Geraldo, com o
nome de “Grupo de Consciência Negra Raízes da Terra” alterado em 2003 numa
visão mais madura e eficaz para o nome atual. A partir dessa mesma ocasião
passaram a estimular o emprego da designação “Missa Inculturada” por “Missa
Afro”, até então adotada. Esta medida é questionável posto que a celebração em
estilo afro é uma das formas inculturadas de celebrar missa, como existem
outras. Não é sinônimo.
[5] - Mordomo da bandeira: trajado de branco.
Mordomo da coroa (ou mordomo-régio): trajado de vermelho e branco, agalonado de
dourado. Acompanha-se de um menino como pajem, com o oratório ao pescoço,
vestido da mesma forma.
[7] - A experiência dos primeiros anos era de dar o
dito lanche no Centro Social e Cultural da Paróquia. A transferência desde 2001
para o salão da catequese foi muito positiva. A responsabilidade deste lanche
hoje é da equipe coordenada pela Pastoral Vocacional, que o desempenha com
grande êxito.
[8] - ASAP: Associação dos Aposentados e
Pensionistas de São João del-Rei. Conserva também um coral e além da
assistência à terceira idade, exerce importante trabalho de conscientização,
inclusive no nível ambiental, promovendo anualmente a “Via Sacra Ecológica”.
Tem jornal próprio.
[10] - Guarda: cada unidade de congado é chamada
“guarda”, pois guarda uma bandeira, coroas, bastões. Sinônimos: terno,
companhia, batalhão, banda, turma, grupo, corte (com pronúncia aberta,
“córte”). Assim é costume dizer-se: “guarda de moçambique”, “batalhão de
congo”, “corte de vilão” , “terno de catupé”, ou vice-versa, etc. Todos são
congados. Há porém quem reserve a palavra guarda para os moçambiques, pois lhes
compete a função de guardar o reinado; outros só empregam corte para os
congados com coreografia de percussão de varas ou bastões.
[11] - Na tradição das festas congadeiras, diz-se que
o juizado tem como patrono São Benedito, enquanto o reinado pertence a Nossa
Senhora do Rosário.
[12] - Em 2003 a Comissão do Divino passa a ter um
barracão para guarda dos objetos usados na festa, que até então ficavam
guardados espalhados pela casa dos festeiros.
* Texto e foto (17/11/2013): Ulisses Passarelli
* Texto e foto (17/11/2013): Ulisses Passarelli
Nenhum comentário:
Postar um comentário